Pesquisas de ponta beneficiam a população, do hospital ao posto de combustível
AUTORIA: PATRICIA MARIUZZO | INOVA UNICAMP | ESPECIAL PARA O JU
FOTOS: REPRODUÇÃO | AGÊNCIA INOVA
EDIÇÃO DE IMAGEM: LUIS PAULO SILVA
Do posto de combustível que você frequenta ao hospital da sua cidade, tecnologias que nasceram na Unicamp estão presentes no seu dia a dia sem que você perceba. Essa chegada até o mercado é o processo conhecido como transferência de tecnologia. O órgão responsável por essa atividade na Unicamp é a Agência de Inovação, que intermedeia o contato da instituição com o setor empresarial.
“Estamos em primeiro lugar no número de patentes depositadas no Brasil. Nos últimos anos, sempre estivemos entre os 10 primeiros. Acredito que uma das razões disso não se relaciona com a opção de fazer pesquisa aplicada, mas sim, porque na Unicamp fazemos pesquisa de ponta. A inovação acontece nas fronteiras, quando pensamos fora da caixa”, explica Newton Frateschi, diretor da Inova Unicamp. “Nesse cenário, a Agência de Inovação tem um papel fundamental ao identificar essa pesquisa de ponta e dar confiança para o pesquisador para transformá-la em propriedade intelectual”, afirma.
Conheça a seguir exemplos de tecnologias que nasceram no âmbito acadêmico e chegaram até você.
Software para hospitais
Qual o gasto anual de um hospital na manutenção de equipamentos médicos? Quais máquinas consomem mais recursos? Como dimensionar equipes de manutenção? Quanto tempo determinado equipamento fica indisponível para uso? Qual a peça mais utilizada para manutenção? A aquisição e manutenção de equipamentos médico-hospitalares (EMH) têm um impacto significativo no orçamento dos estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS). A boa gestão desse patrimônio depende de respostas rápidas e objetivas para as questões acima. É exatamente isso que faz o software GETS: Gerenciamento de Tecnologia para Saúde, desenvolvido no Centro de Engenharia Biomédica (CEB), na Unicamp.
O GETS possibilita gerar um inventário padronizado de equipamentos odontométricos-hospitalares. Com ele, hospitais e instituições de saúde em geral podem gerir cada equipamento de forma mais eficiente, desde sua aquisição, manutenção, até a substituição, quando for o caso. “O GETS permite conhecer mais sobre a saúde dos equipamentos para saúde, gerando um diagnóstico sobre a situação funcional dos equipamentos médico hospitalares instalados nos estabelecimentos assistenciais de saúde da rede pública”, conta José Wilson Bassani, coordenador do CEB.
Desde 2013, o GETS está sendo utilizado pelo Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), ligado à Universidade Federal Fluminense (UFF). “A adoção da tecnologia aqui no HUAP possibilitou o gerenciamento integral do parque de equipamentos médico-hospitalares da instituição”, conta Yasser Issmail, chefe do Setor de Engenharia Clínica da instituição. Ele enumera vários benefícios do software: maior controle do parque de equipamentos; ganhos em produtividade, visto que, a partir de um controle mais eficiente dos equipamentos, é possível direcionar ações com mais precisão para a resolução de problemas; e aumento da qualidade no atendimento e na disponibilidade dos ativos através da programação mais eficiente das manutenções preventivas. “Tão importante quanto o que citei anteriormente é o controle de estoque e a consulta sobre o histórico de vida dos equipamentos. A partir dos dados registrados no GETS, é possível elaborar relatórios gerenciais com vários indicadores, informando mão de obra aplicada, tempo de disponibilidade dos equipamentos durante determinado período, entre outros”, explica Issmail.
A implantação do GETS requer a assinatura de um convênio de cooperação entre a instituição pública de saúde e a Unicamp, que estabelece um contrato de licença de uso do software sem custos para o EAS. “A instalação do software é bastante rápida, de uma a três semanas. A primeira atividade é a criação do inventário com dados fornecidos pela equipe local sob supervisão do CEB”, explica Bassani. O Hospital Estadual de Sumaré (HES-Unicamp), que também adotou a tecnologia está finalizando a fase do inventário. “Interagimos com todos os hospitais onde o GETS foi instalado e com as instituições que têm interesse em adquirir a tecnologia. Já temos uma lista de espera”, afirma.
O GETS já gerou um banco de dados com cerca de 20 mil equipamentos. A previsão, segundo Bassani, é que esse número chegue a 150 mil até o final do ano. Este banco de dados utiliza nomenclatura padronizada para os EMH e para as ações relacionadas a eles: manutenções corretivas, preventivas, instalações, ações sobre contratos, etc. “Internamente, a equipe que começa a utilizar o GETS, aprende muito sobre o que ela faz e sobre o que deveria fazer, olhando dados quantitativos e indicadores. Nesse sentido, a informação estrutural e organizada é uma ferramenta muito poderosa na área de engenharia clínica”, afirma Bassani.
Ele aponta ainda o potencial do GETS para pesquisa e ensino. “Todo o histórico das manutenções e da vida útil dos equipamentos está armazenado de modo recuperável e padronizado. Várias teses foram geradas durante a concepção do GETS e há pesquisas em andamento em várias áreas. Há pesquisadores interessados em explorar o ponto de vista matemático e computacional da tecnologia, o aspecto social, tendo em vista a economia que se pode gerar no sistema público de saúde, o gerencial, para o controle das equipes de manutenção e o da engenharia clínica, gerenciamento de custos, etc.”
Ferramenta de decisão
Um dos principais benefícios do GETS é gerar indicadores de desempenho da manutenção de equipamentos médicos. Segundo Bassani, o bom funcionamento de um equipamento pode ser resultado de vários fatores, como treinamento, nível de qualificação da equipe de manutenção e o tempo de uso dos equipamentos. “É claro que pesa muito a qualidade do equipamento e isso interessa aos fabricantes e fornecedores. Se um determinado equipamento falha em toda a rede – e essa é uma das informações que o GETS pode gerar –, isso pode ser um indicador de que ele, de fato, não é bom. Daí o interesse das empresas fornecedoras ou fabricantes em saber qual o desempenho dos seus equipamentos no conjunto dos hospitais. Há tecnologias que, com pequenos ajustes, podem passar a atender melhor”, explica. Nesse contexto, o GETS torna-se uma ferramenta estratégica para mineração de dados (data mining).
Da universidade para os postos de gasolina
Outro produto criado na Unicamp que permite aferir a qualidade de um produto é o Xerloq, que monitora a qualidade de combustíveis automotivos pela determinação do teor alcoólico do álcool etílico hidratado carburante (AEHC) e do teor de álcool etílico anidro combustível (AEAC) na gasolina. A tecnologia foi desenvolvida ao longo de uma pesquisa de doutorado no Instituto de Química e chegou ao mercado por meio de um licenciamento feito pela Tech Chrom, empresa que iniciou suas atividades na Incubadora de Base Tecnológica (Incamp) e que atua no desenvolvimento e aplicação de métodos e aparelhos analíticos. “Nós conhecemos essa pesquisa porque o Ismael Pereira Chagas, um dos autores da pesquisa, veio trabalhar na Tech Chrom. Quando vimos o potencial da tecnologia, decidimos ir atrás de financiamento para transformá-la em um produto”, conta Valter Matos, um dos fundadores da empresa.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) estabelece que a gasolina vendida nos postos pode ter entre 18% e 27% de álcool anidro em sua formulação. Já o etanol hidratado, utilizado como combustível, pode ter uma porcentagem de água entre 6,2% e 7,5%. Para se certificar de que esses limites foram respeitados e que estão vendendo combustível de qualidade, os postos de gasolina são orientados a testar o combustível que chega das distribuidoras. “Esse teste, no entanto, utiliza uma quantidade significativa de combustível, é demorado e está sujeito a falhas, caso o profissional do posto não seja devidamente treinado para executá-lo”, alerta Matos.
O Xerloq permite controlar a qualidade do combustível. De operação simples, ele precisa de apenas 1ml de combustível colocado em uma cubeta de vidro que é introduzido em uma cavidade de análise do aparelho. A leitura demora sete segundos, mostrando se o combustível foi ou não adulterado. Em 2014, a empresa ganhou o Prêmio de Inovação Tecnológica da ANP, na categoria micro, pequena ou média empresa fornecedora, em colaboração com empresa petrolífera.
O equipamento já está há seis anos no mercado. “O Xerloq está sendo utilizado em cerca de 300 postos de gasolina de todo o Brasil. Entre nossos clientes também há distribuidoras, usinas, indústrias, prefeituras e até empresas de pulverização aérea que utilizam aviões movidos a etanol”, revela Matos.
A rede Phoenix adotou o fotômetro da Tech Chrom nos sete postos de gasolina que ela gerencia em várias cidades do Estado de São Paulo. Para Renato Pelegrinetti, proprietário da rede, uma das grandes vantagens é a facilidade de fazer o teste. “Adotamos o equipamento há cerca de quatro anos e já houve casos em que devolvemos combustível para a distribuidora porque o fotômetro indicou adulteração. Como o teste é rápido e fácil, conseguimos testar todos os carregamentos que chegam sem comprometer a rotina do posto”, conta Pelegrinetti. Segundo ele, o Xerloq resguarda o posto em relação a supostas irregularidades e também dá segurança para os clientes que têm a certeza de estar comprando combustível e qualidade.
Saúde do homem
Um produto criado na Unicamp que está em vias de entrar no mercado é o conector uretral para avaliação urodinâmica. Desenvolvido por meio de uma parceria entre o CEB e a Faculdade de Ciências Médicas (FCM), o dispositivo foi licenciado pela Dynamed, fabricante de equipamentos médicos, que vai lançar o novo produto em setembro, no Congresso Paulista de Urologia. O estudo urodinâmico é um exame utilizado para avaliar a dinâmica de armazenamento, transporte e esvaziamento da bexiga. No caso dos homens, ele é indicado para investigar problemas como aumento da próstata e incontinência urinária, por exemplo. “O método usado hoje exige a introdução de uma sonda no canal da uretra do paciente, o que pode ser dolorido e ainda oferecer risco de infecção”, explica Manoel Soares, sócio da Dynamed.
Para encontrar uma solução, o professor Carlos Arturo Levi D’Ancona, da FCM, teve a colaboração do professor José Wilson Magalhães Bassani, do Centro de Engenharia Biomética. “Nós buscamos algo que fosse mais simples, rápido e não-invasivo e, partir das pesquisas, chegamos ao conector uretral”, revela D’Ancona. O novo dispositivo é feito de PVC e Teflon, tem o formato de um cone vasado de onde sai um conector que fica em contato com a uretra do paciente. Ele dispensa o uso de sonda e faz com que o exame seja concluído em apenas cinco minutos. Os testes foram feitos no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. “A grande vantagem é poder repetir o exame várias vezes ao longo do tratamento, sem gerar incômodo para o paciente. Isso vai permitir ao médico acompanhar a evolução do quadro e intervir sempre que necessário”, completa D’Ancona. O baixo custo do dispositivo também deve colaborar nesse sentido. “Foi uma experiência rica, que contou com expertises de várias áreas e com a parceria de uma empresa que vai levar nossa pesquisa para o mercado mais rapidamente. Como médico, é gratificante contribuir com esse resultado”, afirma D’Ancona.
A Dynamed licenciou essa tecnologia em 2016 e auxiliou na construção do protótipo. Segundo Soares, a área de Parcerias da Unicamp foi importante ao auxiliar na elaboração dos termos da parceria em todas as etapas, mesmo antes do licenciamento propriamente dito. “A Dynamed é uma empresa nacional que se mostrou bastante inovadora ao estabelecer essa parceria com a Unicamp. Foi um acordo que gerou benefícios para a Universidade e para a sociedade em longo prazo”, comemora Iara Ferreira, diretora de Parcerias da Inova Unicamp.
Mercado internacional
Além do mercado nacional, a empresa espera comercializar o conector fora do Brasil. A Dynamed participa de uma iniciativa da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), juntamente com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento (Apex-Brasil). Trata-se do projeto Brazilian Health Devices, que tem como objetivo fomentar as exportações das indústrias de artigos e equipamentos médico-hospitalares brasileiros fora do Brasil. “Participamos de feiras, missões internacionais e rodadas de negócios fora do Brasil e pretendemos apresentar o novo produto nessas ocasiões Estamos bastante otimistas por conta das vantagens do dispositivo em relação ao método de avaliação convencional”, finalizou.